azul caixão
Julia Bicalho Mendes
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1# de repente revejo na estante aquela novela do Cony “A Tarde de Sua Ausência”, a qual me recordo muito pouco ou quase nada. apenas a ausência da personagem loira de olhos verdes e a imagem de uma rede que balançava dilatadamente com alguma perna entrelaçada. me pergunto se o tempo e a ausência não estão intimamente conectados? agora que nos deceparam um braço ou qualquer outro membro do corpo o qual nem lembramos mais a função que realizava, e as tardes nos passam escassas, simultaneamente lotadas desses inebriantes fantasmas que nos seguem, lado a lado, de um cômodo a outro da casa, fazendo com que o caminho ainda se alargue, na tentativa talvez de nos desviarmos, de jogarmos com isso ou mesmo fingirmos que eles não persistem, ali, de toda forma, indelicados.
2# que fantasmas são esses?
a falta, também a voz dos seres violados, os amores negados, a incertitumbre, os genitais velhos chorando, a tarde esplendorosamente azul lá fora, a louça, as árvores resistindo generosamente no [nosso] fronte de batalha, a raiva que entulhamos, a praça, lotada/vazia, do dia que perdemos, o fogo quase ateado, a infância, o momento em que alguém nos disse algo precioso, o momento que esquecemos, o minuto exato em que nascemos, e que sabíamos, tão bem, ocupar o tempo, extasiados pelo corpo, o minuto exato em que desaprendemos a distinguir o útil do necessário, e começamos a ignorar que não importa quando, não importa como, nós também, seremos lanhados.