azul caixão
Julia Bicalho Mendes

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[desejo
rebenta
ou mar]
#1 gostaria de ler as 986 páginas d’A Montanha Mágica. leio, sin enbargo, apenas um poema por dia. demoro-me muito. é graciosa ou cínica a matemática: quanto mais curto o poema, mais tempo me custa.
#2 no soy Ulíses. no quiero volver a Ítaca. todavia estou aqui: golpeando la noche como una bestia. arpejo em torno da luz, várias vezes, velas, lamparinas, fósforos, faróis imaginários.
#3 “escríbelo para que no perezca”. escrever o quê? tudo o que tenho é tomado pelo mar, por Ulisses ou Hans Castorp e sua, minha, montaña fantasma.
#4 já definiu-se que o tempo é um engano. pode-se ir e voltar. estou há dias presa dentro de algo. na minha infância. no dia em que fiz uma cirurgia na coluna. no dia em que comi uma bacia de cerejas. no dia em que apalpei a sua barba, torpemente recortada, de perto. e vi, dentre os cabelos tão ralos, todo um rasto de coral.
#5 após 460 páginas, o apaixonado Hans Castorp, finalmente, se encoraja a falar com Clawdia Chauchaut, sob a orgia da linguagem dos sonhos. “la verdad no es decible”, dizia uma poeta uruguaia, mas em sonho, ou em algum idioma transversal, é possível comunicar-se.
#6 é necessário dedicar-se à linguagens transversais.
#7 desintegro a cada minuto (no caso de estarmos enroscados dentro de um dia muito longo), para assinarte coisas que penso, que sinto, ou que [simplesmente] me transpassam. hablamos palabras marinas? sei apenas que não se tratam de palavras dedicadas a fantasiar, representar, ou fazer alusões. veja, ceci n'est pas un pipe. muito menos são palavras invocatórias, que seriam mais apropriadas às preces. as palavras que te digo são, precisamente, encarnações, de todas as coisas, na frequência da pintura, do pensamento, ou de um som.