azul caixão
Julia Bicalho Mendes
mínimo

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8h31
“a manhã começa a bater no poema”
[mar]
uma sílaba do teu nome
quantas cores tem o mar desde que me lembro?
8h31
já estou exausta
estar viva - varrer a pele – gostaria de ver um peixe
8h35
as folhas se aglomeram na calçada / no estoy para ayudarlas
14h50
“é preciso equilibrar-se nos poemas”
talvez eu enlouqueça à beira desta
tarde
desta louça
destes cabelos torpemente arranjados
desta janela
e teu nome que não dorme
no dibujo esgarçado das mãos
---PAUSA---
21h21
“o poema dói”
ouço o cão arregaçar a porta do vizinho
todas as noites o cão sai para passear
e o velho o esquece para fora
abro a porta para o cão entrar?
21h22
“estou universalmente só”
abro a porta para o cão entrar
o deserto do Yemen entra pela janela
tenho saudades de coisas que não sei
do deserto do Yemen, por exemplo
21h22
empenho uma furadeira para baixo
ou era o teu nome
22h00
“do que é feito o poema?”
o cão se aproxima da linha de entrada
mas não ousa dar dois passos para dentro
mantenho a porta aberta no entanto
vai ser horrível o que vou dizer
nunca gostei de cães
22h22
q u a s e sustento o ar sem sequer
lembrar/dizer/pensar
teu nome
23h46
poderia ter dó do cão
se não fosse de mim mesma
agachei para que pudéssemos falar
23h50
dei o teu nome, secretamente, ao cão
no entanto, o chamarei de Yemen,
para que nenhum de nós perceba
3h05
percebo que se o cão entrar
não sairá jamais
faço um mini muro na porta para que ele não entre
mas que consiga entrar caso fique desesperado
4h18
o velho abre a porta
estamos deitados
eu e o cão
cada um do seu lado
4h19
o velho vai levar o cão
4h21
“é a madrugada e a noite que rolam sobre os telhados do poema”
não adianta pensar no teu nome
*as frases entre aspas foram levadas, enquanto lia heberto helder.